data-filename="retriever" style="width: 100%;">Completei meu primeiro aniversário de isolamento social. Coisa que jamais pensei que iria conseguir. Mas noto alterações no biorritmo. Fico a lembrar das aulas de Ecologia. Ritmos induzidos pelo foto-período. Ritmos lunares. Ritmos circadianos. Não irei chatear o leitor com esnobismos científicos. Mas o comportamento dos seres vivos altera-se com o número de horas de sol. Com a lua. Com a alternância de dia e noite. Poderia dar exemplo para cada um dos casos. Não o farei.
Da janela do meu terceiro andar, tenho notado que as centenas de garças têm voado mais tarde do sentido oeste-leste. As centenas de pássaros pretos que voam entre a Galeria do Comércio e a catedral também na direção oeste-leste ao amanhecer também estão voando tardiamente. Tudo porque o sol tem aparecido mais tarde. São os primeiros avisos do fim do verão.
Indiferente diante da pandemia, os pássaros cumprem seu destino de voar. Obedientes ao ritmo do sol. À procura de alimento, água e prazer. Em ordeiros bandos aéreos com formação que lembra a letra V. Onde na ponta do V, capitaneando o bando, vai geralmente a ave mais velha. A que sabe por experiência a melhor rota, velocidade e direção. Porque no mundo das aves, os idosos são respeitados.
Tenho escancarado as janelas do meu apartamento. Porque os infectologistas avisam que coronavírus detesta ambientes arejados. Os sons da noite sobem com facilidade. E penetram nos meus ouvidos sempre atentos. Ambulâncias passam. Sirenes estridentes. Bombeiros. Carros da polícia.
Mas é à noite que minha audição fica mais acurada. Já ouvi de tudo. Automóveis particulares com som a mais de 100 decibéis acordando todo prédio. Conversas em voz alta de bandos de jovens que estão alterados. Brigas de namorados. Já vi um rapaz esbofetear uma moça e cinco minutos depois estarem se beijando.
Quase na esquina da Avenida Rio Branco, a Prefeitura Municipal colocou enorme contêiner para recebimento de lixo. Toda santa noite - e cada vez mais cedo - há disputa pelo lixo reciclável. Jogam todo lixo para fora para catar as latinhas de bebida e outros materiais aproveitáveis. E não devolvem os sacos para dentro do contêiner. Fica tudo esparramado na calçada. E, às vezes, há brigas entre eles, agressões, ameaças de morte, disputa pelo "ponto".
Na madrugada do último fim de semana, ao voltar da cozinha, onde fui tomar água gelada, ouvi gemidos estranhos vindos da rua. Sem ligar a luz e preocupado porque poderia ser alguém assaltado e ferido na rua precisando de ajuda, cheguei à janela. E me deparei com uma cena nova para mim em termos de Venâncio Aires. Um casal de namorados estava fazendo amor, em pé, no portão da casa do saudoso reitor Mariano da Rocha.
Ah! Pelo menos, os dois estavam de máscara...